sábado, 27 de agosto de 2011

Coma

A escrita. Ou melhor, neste caso, “a escrita sobre (no sentido de ‘a respeito de’) a escrita”. Agradaria-me absurdos que esta me fosse fluída, natural, sem preciosismos que somente refletem muita absorção de conteúdo inútil, pouca capacidade de expressão e nenhum preparo para a comunicação no mundo que ultrapassa as barreiras de meus livros alemães e canções eslovenas. Mas não é. Ela é travada, qual “um burro quando empaca no trigo”, e simples expressões de fúria, revolta e indignação, revestidas por ares de discurso em palanque, que outrora se faziam presentes tão simplesmente através do “sentar e escrever”, hoje não encontram saídas tão óbvias e simples. Paro. Pergunto: Por quê?

Confesso a mim mesmo meu mergulho inconseqüente nos exageros e abusos, buscando algo que morreu. Buscando algo que tenha vida. Ou talvez (não sou o senhor da verdade, sequer da minha própria verdade, caso esta exista), buscando a própria vida. Não sei se a possuía e perdi; não sei se nunca a tive e agora, ela se faz presente de forma incrivelmente decepcionante; ou pior: Não sei se a beleza e a inspiração que sempre tive em minhas formas de expressão são reflexos da ausência de vida. Caso este terceiro seja verdadeiro, é “passado o ponto onde não há mais retorno (nem segundas-chances)” e resta levar Christine ao calabouço, fazendo-a escolher entre ele e eu. Resta o “segredo do anjo do inferno”. E há inúmeros maestros com suas belas canções, sem significado algum, para acalentar ouvidos delicados. Não tenho talento para isso.

Por tal razão, como quem sofre de um tumor na área do cérebro responsável pela expressão, uma Síndrome de Down alterada para novos candidatos a overdoses de morfina e dopamina, declara-se coma induzido, até que reflexos sejam sentidos e até que o sangue flua normalmente pelas artérias.

Creio ser mais uma despedida.

sábado, 30 de abril de 2011

KAWA TON AAYMONA EAYTOY

Você é um exemplo. E daí? Sua inteligência tão aclamada não lhe tira do vórtice hermético baseado no Eterno Retorno, então, de que esta lhe vale? Sua bondade e retidão lhe renderam a arrogância que lhe é cara, e afasta mais determinadas chances de sucesso; seu caráter trouxe arrependimento pelo tempo desperdiçado, dedicando-se a quem não merece sequer o olhar, que dirá o pensamento. Tal caráter lhe garantiu, além disso, algumas rugas. Sua preocupação com os outros, e seus sentimentos, valores e tudo o mais, só lhe fazem afundar mais. Não se sabe se é o peso dos outros se apoiando sobre seu perfeccionismo, ou somente o reflexo de sua falta de tempo para se exercitar, que está gerando uma forma esférica, adiposa e aberrante. No geral, o resultado não se altera muito, a despeito das táticas do jogo - Tudo se resume a correr em direção ao nada novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente e novamente novamente e novamente e novamente e novamente.

Dá-me o uísque mais forte, e o cigarro mais saboroso. Nada há de se alterar, mas o arrependimento já preenche muito desta vida para que considerações sobre como vivê-la se apresentem como as algemas da vez.

Dada.

domingo, 3 de abril de 2011

Cotidiano Propositalmente Repetitivo

(ou Ébrias & Amargas Considerações)

É passada a hora das escolhas. Não há sentido em se manter dentro de sonhos que não cabem ao mundo real, a não ser como acalento para a dureza cotidiana. Tapas na cara devem deixar de ter a capa de agressões e passar a ser vistos e compreendidos como parte integrante do dia-a-dia. Como a injeção necessária e cotidiana do hemofílico. Acostumar-se com a dor, fazer dela parte do cotidiano, faz do indivíduo mais capaz de compreender os resultados da resistência e a "realidade da realidade". É cotidiano.

[Chico Buarque: "Pedaço de Mim"]

E o sorriso falso que se torna obrigatório e, por conseqüência, cotidiano em nossas relações mundanas e superficiais, passa a ser uma regra, até que não se saiba mais o que é real e o que é meramente burocrático. Até que não se saiba mais quem é homem e quem é porco. Isso é necessário à sobrevivência. É necessário para que o ser humano saia do ostracismo e do lamaçal faminto por fracassos e repetições tão úteis quanto uma rua sem saída para um fugitivo da polícia. Ou isso, ou o eterno retorno ao vórtice da inutilidade, do fracasso e da perfeição inatingível. Uma perfeição que está no cotidiano de todo cidadão. Mas não no seu.

[Ludov: "Da Primeira Vez"]

Então, fica assim combinado: Tudo o que trouxer dor, porém se revelar formoso perante os olhos que julgam e condenam, será proclamado belo, aceito e obrigatório. Então, fica assim combinado: Tudo o que for de quietude para a alma, mas se apresentar como inutilidade para os mestres dos fantoches, deverá ser sumariamente proibido. Desta forma, cria-se a vida perfeita, amarga como o mais forte e puro café e absolutamente desprovida de qualquer mágica. Mas quem se importa com a mágica? Este é um mundo de adultos.

[Franz Listz: "Rapsódia Húngara"]

A criança cresceu...
E se tornou "confortavelmente entorpecida".

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A Explosão

(ou "It's better to burn out than to fade away" - Neil Young)

[Chandeen: "Dawn"]

A explosão. Algo que, subitamente, cresce de maneira em geral inesperada, em velocidade maior que a supostamente coerente e, geralmente, causa estragos (a não ser que o assunto seja o milho que explode e se transforma em pipoca). As explosões, tão apreciadas pelos roteiristas de Holy Wood, possuem lá seu valor. Elas têm sua importância. O que seria das grandes empreiteiras sem elas? Empresas de demolição, então?? Terroristas??? Homens-bomba???? De fato, um mundo sem explosões é, de certa forma, impensável. Mas, e quanto ao ser humano normal-cotidiano-do-dia-a-dia-diário-e-semanal? Qual é a importância da explosão na vida deste ser?

[Madeleine Peyroux: "River of Tears"]

Certa vez me foi dito que as coisas somente atingem o auge de sua importância quando não estão mais entre nós [descanse em paz, meu querido cão], então, creio ser mais fácil compreender a real dimensão da explosão na vida analisando uma que não a possua. Sim, uma vida sem explosões.

[Racionais MC's: "Diário de um Detento"]

Na construção civil, as explosões geralmente eliminam prédios defeituosos e empreendimentos que não deveriam estar onde estão. No ser humano, é semelhante. Sentimentos distorcidos, propensões a cânceres, rancores, mágoas e dores em geral são expurgadas através da explosão. Sim, o ataque de fúria. A irracionalidade. O descontrole. Enfim, a explosão. Esta vem naturalmente acompanhada de alterações na voz, na expressão facial, no ritmo cardíaco, e costuma ser sucedida por lágrimas copiosas, que conforme Júlio Cortázar, vêm acompanhadas de muco ("este no fim, pois o choro acaba no momento em que a gente se assoa energicamente"¹). Sem esta nauseante, todavia assaz natural seqüência à qual todos estamos sujeitos, advém a dor. Não há explosão. Advém a mágoa. Não há explosão. Advém o câncer.

[Laibach: "Drzava"]

Todos os terrores que poderiam ter ferido inocentes são contidos. Não há explosão. Nenhuma pedra desaba. O corpo padece, o cérebro implora pela alforria do controle absoluto, mas a disciplina mantém a coluna reta, as botas brilhando, a farda engomada e a explosão silenciada. Não há explosão. Em nome da... Em nome do quê mesmo??? Ah, sim, do altruísmo, da bondade e da resiliência. As vidas ao redor continuam, inabaladas por aquela explosão que não ocorreu. Não há explosão. Mas o que não explode, implode. E mesmo novos prédios caem. Não há explosão. Haverão, ao acaso, balas de canhão em honra da vida que não explodiu, mas desapareceu aos poucos? Não há explosão. A vida que desaparece aos poucos é como o membro lentamente corroído pelo verme, pela chaga, pelo tumor; a pele lentamente dominada pelo vitiligo. Somente quem a vê todos os dias se dá conta de seu desaparecimento. Somente quem tem os pratos da balança pendendo cada vez mais para o lado da leveza, enquanto o algoz ganha quilos de gordura com seus mantimentos, sabe e reconhece a violência do verme devorador... E a necessidade da explosão do expurgo. Mas não há explosão.

[Einstürzende Neubauten: "Die Explosion im Feistpielhaus"]

Aber es gibt keine Explosion.
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¹CORTÁZAR, Júlio in Histórias de Cronópios e de Famas.

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Em virtude de minha pouca paciência e tempo, associadas à má vontade do Blogger, as próximas postagens não terão a tradicional formatação. Agradeço a compreensão.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Dysangelium

(ou Sobre o Feio, o Triste, o Incômodo, o Mau e o Apático)
[Therion: "Wine of Aluqah (Live)"]
Ah, a arte. A arte e seus ideais. Ideais de beleza. Beleza e perfeição. Perfeição clássica. Clássicos gregos, romanos e... Há algum outro? Outro conceito imutável e perfeito? Perfeito como a definição dos músculos e feições do Adão de Michelangelo na Capela Sistina? Capela que é agradável aos olhos e incita sentimentos bonitos, felizes, cômodos e bons a todos. Não? (Oh, céus, será este o prelúdio de mais um texto enfadonho sobre a relatividade da beleza, a hermenêutica e outros conceitos técnicos, com palavras rebuscadas, tão interessantes quanto dançar com a irmã mais nova??? Dai-me paciência para ler isso até o fim...)
[Massive Attack: "Butterfly Caught"]
Incômodo.
Esta é a palavra que rege o presente texto.
A tônica, diria eu.
Simplesmente por se contrapor à que rege o que não me agrada:
A inércia.
[Coquetel Acapulco: "Campo Minado"]
Cansado do feio do dia, do triste do cotidiano e do incômodo presente na vida adulta, acabo preferindo o vazio da mentira. Mentira que engorda, atrofia as articulações e leva à hipertensão. Por isso, voto na dor. Voto em tudo o que incomodar. Tudo o que fizer movimento, e causar movimento. Porque sou mimado e não quero ninguém dormindo. Não enquanto há algo que possa ser feito para minimizar a existência do feio, do triste, do incômodo e do mau, e desta forma, a necessidade de sua atuação na vida.
[Lucio Dalla: "Caruso"]
Sê sempre disseminador do Dysangelium...
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E mais uma vez, o Blogger não está colaborando. perdão pela formatação desagradável. Html, um dia beijarás meus pés...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Memento Mori

(ou Quando Mesmo os Sorrisos Machucam)

[Milionário & José Rico: "Sonho de um Caminhoneiro"]

Ele abre a boca, mas as palavras não vêm. Elas permanecem. Permanecem dentro dele, criando um vórtice, aquela úlcera aguda, esta espiral mortal que gera desespero a mais ninguém a não ser o próprio. E ele segue. Segue desta forma, caminhando pelo caminho dos bons e dos corretos, pois a dor de ferir a outrem pode ser mais insuportável. Se suportara a de ser o pária por tantas vezes, porque não poderia ser esta a cruz à qual o Senhor Seu Deus lhe houvera designado? Não há cruz mais pesada do que o que podemos suportar. Assim é. Assim sempre foi. Assim.

[Sigur Rós: "Hafsól"]

Mas o que poderia acontecer se a boca se abrisse e os feixes, tiros, palavras ou sabe-se-lá-o-quê, atingissem às pessoas deliberadamente, não importando nome, parentesco ou suposta participação especial na novela de sua vida? Seria o início do fim? A descaracterização, talvez? A destruição, quem sabe? Só Deus sabe. Só Deus sabe? Infelizmente, a relação de ambos não era das melhores, e mais infelizmente, Deus paradoxalmente não havia lhe dado muita fé. Então, desprezando as tradições, abandonando as crenças, seguindo um controlável, mas não desejável, desejo iconoclasta... A boca se abre e as cruzes se quebram. Que haja misericórdia...

[Chandeen: "Love at First Sight"]

Verdades, dolorosas verdades, vêm à tona. Faces mais tenebrosas que as presentes nos piores pesadelos passam a ilustrar o semblante daqueles que por tantas vezes pareceram simples títeres do Senhor do Escárnio. E, pela primeira vez, ele sente ódio, e não se sente mal por isso. É orgânico. Verdadeiro. Arremessa a cruz que sempre carregou com tanto pesar e esmaga o crânio do primeiro inocente que lhe cruza o caminho. Inocente? Há inocentes? Ele se lembra que todo ser humano nasce manchado pelo pecado original de Eva & Adão; e se lembra que isso é o que dizem os que seguem a Moisés, Abraão & Jacó; e se lembra que a coerência é um grilhão - mais um - a ser quebrado. E o quebra! Graças a Deus!


[Sari Ska Band: "Emo"]

A dor permanece. Talvez, seja a dor da exposição ao sol, citada por Platão em sua historinha da caverna. Quem sabe, seja a falta de costume de caminhar sem os grilhões originais. Talvez, seja o peso de caminhar sozinho, visto que cruzes, por maiores e mais pesadas que possam ser, de certa forma, bancam as companheiras por vezes. Talvez seja o fardo que poucos ousam carregar. O de ser quem se é.

[Seán Ó Riada: "Ghaoth Aneas"]

Memento mori...
Se quiseres manter tua dor, porém, de forma autêntica.
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O trabalho tem me impedido de postar e comentar em seus blogs com maior regularidade. Peço perdão e espero que saibam que admiro muito os que aqui estão linkados. Sorrisos no coração de todos!!!