quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Venero-te. Renego-te.

(ou "O mistério do amor é maior que o mistério da morte." - Oscar Wilde)

“Eu posso ver claramente agora – uma visão, de fato, dolorosa.”
Iced Earth: “The Prophecy

[L'Homme Revolte]


O mundo fala a respeito dele. Ocorre desde tempos imemoriais sua banalização, embora eu não saiba se, em algum momento da História ele teve a importância e o tratamento “corretos” (se é que isso existe). As infinitas e incorrigíveis tentativas de universalização do pensamento, sentimento e do ser costumam tomá-lo como a verdade absoluta. Ele é o clichê mais tradicional já criado, o que me leva a ponderar acerca de seu aparecimento entre minhas palavras, geralmente carregadas de uma agressividade que me é cara. Mas se a quebra de paradigmas se torna uma necessidade da qual não se pode fugir, paradoxalmente, essa quebra se torna outro paradigma. Logo, que se quebre o paradigma paradoxal. E que, contra qualquer expectativa de quem acompanha minhas palavras, parafraseie eu o “Excelentíssimo Síndico” Sebastião Rodrigues Maia: “Vamos falar de amor.

[Le Chatiment du Traitre]

O amor me é sagrado. Beatifico, canonizo e deifico-o. Tal divindade, por sua divindade, é envolta em perfeição. Eis o início de todos os problemas. Qual seria a taxa de mortalidade de um amor perfeito em humanos imperfeitos? É difícil imaginar, de forma racional, a perfeição. Somente quando arrebatados pela insânia patológica tal idéia (acompanhada por outro ser mantenedor de tal patologia) parece fazer algum sentido. E como não há verdade na universalização (é verdade, juro), eu me limito à análise, somente.

[L'Assassin]

“Você acredita em amor? Você acredita em destino? O amor verdadeiro só pode vir uma vez em mil vidas. Eu já amei. Tomaram-na de mim. Rezei por sua alma. Rezei por sua paz.” – Drácula de Bram Stoker me leva a crer n’um amor próximo deste que tenho por sacro. Tão sacro que parece se manchar com as imperfeições da humanidade. Mantenhamo-lo nós livre, portanto, deste claustro da carne e suas impurezas que tanto nos divertem. Por que não? Por que crer (a pergunta sem resposta daquele que paradoxalmente tem como maior crença a “não-crença”) em sua associação com raiva, ciúmes, posse, dor e outros sentimentos, sensações e reflexos do lobo temporal tão possivelmente desagradáveis? Por que não simplesmente admirá-lo como o pássaro livre de nossas culpas (nossas tão grandes culpas)? Parece existir a necessidade novamente patológica de tomá-lo entre nossos braços, olhos, coxas e sentidos, para que quando ele finalmente morrer, haja provas de sua vida (algo próximo do que Guimarães Rosa falou). O saber e o sentir não são suficientes? Há de fato o dever para com a prova? O barbudo da Galiléia tentou explicar sobre isso, se não me falha a memória (faz algum tempo que não visito aquelas bandas), mas infelizmente parece ter falhado.

[Les Deracines]

Neste ponto, caro leitor, deves pensar que mais uma vez, como já lhe deve ser comum, a arrogância tenha me tomado de assalto. Não te culpo por pensar assim. Não sou muito bom em transmitir o que penso de forma simples, por meu pensar não me ser simples. Todavia, se crês que me relativizo à perfeição deste amor que sacralizo, erras. Sou tão imundo quanto o resto da humanidade, e com ela devo ser destruído se, algum dia, esta divindade de fato exercer seu poder e dominar este mundo. Este “Amor-Perfeito”.

[Le Vertige du Vide]

Porém, esta é a visão do amor perfeito. O amor sagrado. O amor que vagueia pelas minhas idéias e já visitou meus outros sentimentos. O amor que morreu no abismo entre o coração e a mente. E, deste amor, mantenho a distância sagrada, referente ao respeito entre o fiel e seu deus. Ele não mais me toca (ou eu não mais creio na ilusão de seu toque), e a minha busca por perfeição tomou rumos diferentes da dele. Talvez porque se “há tantos loucos com tantas verdades”, deve haver uma verdade que me sirva. Uma verdade diferente desta sacralização cega. Uma verdade cheia de imperfeições que me façam mais rir que chorar.

[Les Exigences de la Foi]

Ou,
se em improvável desespero,
talvez uma mentira.

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Escrito há muito tempo, e re-editado o som de Nos Chants Perdus, álbum de 2010 da banda luxemburguesa Rome.

2 comentários:

Jaya Magalhães disse...

O texto que você citou, aí, foi mais uma das minhas frustradas tentativas em decifrar o amor. Logo ele, que não é passível de interrogações, nomenclaturas e tudo mais.

Quis tentar desvendar tuas suposições em meio a esse texto, mas tampouco tive a oportunidade. O dicionário pessoal não foi aberto, em minúcia. Lembrei de um livro que há muito tenho tentado encontrar, por já haver me encantado com fragmentos. Chama-se "O amor é Fodido". Sobre ele, o próprio autor [Miguel Esteves Cardoso] diz:

"Tenho o meu amor, como toda a gente, mas não o usei. Tenho também a minha história, mas não a contei. O romance que escrevi, escrevi-o para quem não quer saber dos amores e das histórias de ninguém. Não contei nem inventei nada. Não usei nem pessoas nem personagens. Fugi. Quis mostrar que pertencia ao mundo onde o amor, como as histórias e os romances, existem só por si. Como se me dirigisse a alguém. Outra vez. É sempre arrogante e pretensioso escrever sobre uma coisa que se escreveu. Apenas posso falar do que foi a minha vontade: escrever sobre o amor sem traí-lo, defini-lo ou magoá-lo; deixando-o como era, antes da primeira palavra que escrevi."

O grande problema talvez, desde sempre, tenha sido esse: ousar escrever depois dele, do amor. Complementá-lo. Insistir. Não deixá-lo ser, apenas. [E lá vou eu].

O que sei é que concordo mesmo é que, como diz o poeta que sabe muito de mim: "o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras".

Beijallan!

[Feliz em te (re)ler].

Dita disse...

Amor é o ópio do povo!